Quando o Linkedin deixou de ser uma rede social séria
"Não se conhece completamente uma ciência enquanto não se souber da sua história." - Auguste Comte
Me lembro muito bem do dia em que criei uma conta, todo animado, no LinkedIn. Foi em 2015, eu ainda estava no ensino médio, mas já estava pensando em aprender mais sobre o mercado, muito porque estava escolhendo a carreira. Foi em uma aula do professor de Acionamentos Elétricos, no CEFET, local que me trás boas memórias. Ele nos disse para usar plataformas como "Science Direct", "Research Gate", e para nos criarmos um perfil no Linkedin. Eu já tinha ouvido falar mas não havia tido interesse na plataforma até o momento pois, ora, era uma "rede social de trabalho", provavelmente para pessoas mais velhas e com "experiência", mal sabia que também servia para compartilhar ciência, de uma certa forma.
Criei uma conta após a aula, preenchi alguns campos, como cursos que eu adorava fazer em plataformas online, mesmo não tendo grana pra pagar o certificado. Na época eu era um estagiário do laboratório de física (tava mais pra assistente), então coloquei isso também. Eu nunca fui fã de ficar adicionando qualquer pessoa na rede, mas aparentemente isso aumentava as chances de conseguir um emprego, pois adicionando recrutadores, você consegue ver posts de vagas de trabalho. Eis que estamos em 2021, e sinceramente de 2018 pra frente, eu perdi totalmente o interesse nessa rede. Primeiro que sua essência foi completamente perdida. Compartilhar vagas, experiências relevantes, cursos, seminários e qualquer conteúdo relevante, ficou em segundo plano. Agora o LinkedIn é um "Instagram para mostrar como sua empresa é moderna".
Ok que existe uma aba chamada "vagas", mas sendo sincero, pelo menos na minha área, 80% das vagas redirecionam para uma outra página de recrutamento, poucas são integradas com o LinkedIn, é muito melhor ter um site para vagas de verdade, por isso surgiram Revelo, Nube, Vagas, CIA de Talentos. Sendo sincero, direto no Twitter por exemplo eu vejo pessoas listando suas qualidades e dizendo que estão desempregadas, e elas conseguem um emprego mais rápido pelo Twitter do que pelo LinkedIn. E sim, eu sigo muitas pessoas da área da tecnologia e ciência que compartilham posts sobre novas ferramentas, pesquisas, cursos e certificações, mas no meu "feed", é lotado de: "Tive uma experiência incrível na empresa X", seguida de uma foto do lado do logo da empresa, ou "Hoje começa minha jornada incrível em X", com uma foto dos "mimos" recebidos. Não estou dizendo que você não deve mostrar que está feliz começando em uma nova empresa, mas os textinhos fajutos de "Sempre admirei esse local incrível...", são iscas e "buzzwords" para conseguir alcance e se tornar um "coach de carreiras", e olha que na tecnologia temos vários destes, como se o mercado já não estivesse inflado de "buzzword".
O pior é que por padrão, a maioria dos posts que você vê não são nem de pessoas que você segue, e sim, postagens que alguém da sua rede curtiu, estão com alto nível de engajamento, e aí aparecem na sua tela, sujando ainda mais a interface carregada da aplicação, que possui um bloco para notícias, um com "cursos mais visualizados hoje", outro com informações básicas e é claro, propagandas. Não é picuinha da minha parte, pois existem diversos grupos e páginas que caçoam de algumas postagens nessa plataforma que é basicamente um reflexo da geração atual do trabalho que está sempre tentando se expor, para mostrar seus êxitos como se fosse celebridades de um segmento ou de um nicho de pessoas que não possuem 1/10 do glamour de verdadeiras celebridades, os trabalhadores.
Hoje eu praticamente não visito a plataforma, pois encontrei outras específicas para cada assunto que o LinkedIn tenta abordar: vagas, notícias, cursos, experiências na indústria (sem as mensagens motivacionais de "novos tempos virão" e "minha jornada foi/será incrível"). Assim como em todas as redes sociais, existem pessoas que entendem seu propósito social, e de fato tentam se comportar de tal forma "correta", mas a maioria ignora o motivo da existência desta aplicação, e isso alimenta e reinventa ainda mais a idéia de que trabalhar muito é trabalhar bem, e que o seu trabalho é sua família pois ele te da presentes e sala de videogame, de certa forma, o LinkedIn é no fim das contas bem sucedido em manter 3 gerações diferentes alienadas, e olha, isso é muito difícil. E olha que nem falei do "puxa-saquismo virtual..." e dos assédios constantes que várias mulheres denunciam.
Em determinado momento, com a expansão de termos americanizados na nossa indústria e mercados de serviço como - Agile, business, market share, e várias outras palavras que transformaram um cargo em 20, criando ainda por cima "Coaches" para qualquer problema específico que você ou sua empresa tenha, enchendo o site de posts sobre como "Jeff Bezos resolveu um problema", ou uma frase de um CEO de uma fintech que provavelmente já foi dita por outra pessoa, porém como você pode e deve ser seu próprio patrão e criar seu próprio negócio, elas fazem sentido (?).
É uma plataforma cheia de usuários com ego inflado, recrutadores com textos motivacionais ("Se você é inquieto, junte-se a nós"), histórias de superação que tentam afirmar que seu sucesso depende apenas de você mesmo (o que é mentira), publicidade falsa, ações humanitárias com segundas intenções e pouco filantrópicas. Acho que o LinkedIn resume bem o nosso século e o desespero das pessoas por atenção. Fica aqui minha recomendação dos vídeos do Joshua Fluke da série "Corporate Cringe", ele mostra muito do que sentimos quando as empresas vem com o papo de "Vestir a camisa", pra ganhar marketing gratuito do seu funcionário. Nada como iniciar 2021 com um texto pra queimar meu filme com pessoas possivelmente ofendidas, isso é apenas minha opinião pessoal.